Episode Transcript
E aí o médico, quando abriu o meu exame, começou a me xingar, como você é responsável quando você chega aqui com uma coisa desse tamanho?
Você está indo pro pessoal de cirurgia porque você tem câncer.
Eu não sou o meu prontuário, eu preciso que você olhe na minha cara, eu sou a Sandra.
Eu percebi que tinha um carocinho e aí eu fui no médico e aí ele falou pra mim que era leite em pedrado, que não tinha problema, só que.
Isso continuou crescendo.
E aí eu cheguei lá, a médica não levantou da cadeira, não olhou pro meu rosto, você está procurando doença?
Coisa da sua cabeça, não me examinou.
Ela não sabe nem a cor que eu sou.
Só que isso continuou crescendo.
Naquela época que encolhia o papanicolau, era a enfermeira, e eu falei para ela que tinha alguma coisa e ela palpou e sentiu.
Então eu sabia que sabe que a hora que alguém me ouvisse a gente IA encontrar alguma coisa.
Dia 31 de dezembro era o dia de buscar esse resultado.
Fui no salão da minha sobrinha, fiz a escova cheia de caixinha linda, maravilhosa, botei meu Salto alto, que é minha companhia.
Foi tudo lado e foi uma consulta muito infeliz.
Então tava o mastologista que IA me atender em vários residentes.
E aí o médico, quando abriu o meu exame, começou a me xingar na frente de todo mundo.
Como você é responsável?
Como você chega aqui com uma coisa desse tamanho?
Você não sabe o meu nome, você não sabe a minha história, você não sabe o meu trajeto, você não sabe como eu cheguei até você.
E ao invés de você me perguntar isso, você está me xingando, você está me culpando?
Senta aí.
Você está indo pro pessoal de cirurgia porque você tem câncer.
A quadratectomia é quando tira o tumor e 2 cm em torno da margem é um quarto da mama que acaba saindo ele, tudo bem, Sandra, eu falei, não, né, vocês mexer com meus airbag, como é que está?
Tudo bem, porque se tem uma coisa, sabe que eu sempre adorei em mim foi o meu cabelão, de fechar o trânsito e os meus decotes, e aí a gente foi fazer as quimioterapias com 10 dias do primeiro a quimioterapia.
Eu já perdi o cabelão.
Foi bem difícil ficar careca.
Da primeira vez eu já fiquei 5.
Eu comecei a tirar uma foto por dia todo dia, porque começou a nascer sobrancelha, começou a voltar ao cabelinho.
Eu descobri que eu era linda, né?
Eu aprendi a sorrir tirando essa foto do dia.
Tive queimaduras de terceiro grau na radioterapia.
Ouso dizer que, desses 12 anos, a radioterapia foi a pior coisa até aqui.
Eu comecei a sentir umas dores.
Reclamei para minha médica, ela pediu uma ressonância, mostrou que eu tava metastática e eu abri.
Eu tava andando no centro, cidade, sabe, tava fazendo umas coisas e só abri a porta do carro e saí chorando na chuva, sabe?
Porque eu vi lá confirmado, a gente tinha meta óssea.
O meu pai estava investigando câncer e aí meu telefone tocou e era meu pai e eu atendi, mas eu demorei responder, e ele, filha, o pai tá falando com você?
Eu comecei a chorar.
E ele falou, o que que foi?
Eu falei, tô andando na chuva, tô tentando esfriar a cabeça, vou, vem para cá agora, pai, tô te esperando.
Eu falei, dei merda no exame, ele deu merda no exame, levanta a cabeça, chuta a bola para frente.
E aí eu comecei a dizer para mim, respira, Sandra, respira Sandra, porque quando eu percebia eu tava assim, sabe, segurando tudo, eu não tava respirando e eu precisava me dizer, respira.
Meus tratamentos começou lá em em 2013.
EE, pelo que eu estou percebendo, aí a gente vai até o último dia até quando a morte me encontrar vivendo, eu quero viver hoje pra mim a intensidade é hoje, eu só tenho hoje.
Eu acho que é daí que eu tiro a minha força.
Não é tão fácil assim com as minhas filhas.
Eu já peguei elas chorando por muitos motivos, quando eu recebi esse terceiro diagnóstico.
A minha filha do meio, a Ana Aline, Milena, ela ficou uma semana muda, ela não conversava, fui lá, ela tava chorando, é o que que tá pegando, mãe, você tá no paliativo, seu tratamento é paliativo e é assim.
Eu descobri que eu estava de novo com câncer no fim de novembro e dia 11 de dezembro eu já estava na sala de cirurgia, né?
Eu passei o primeiro Natal longe do meu pai, sabendo que ele podia morrer comigo, longe dele.
E eu, pai, me fala de você, ele, eu estou bem deitado, ele brincava.
Ele já estava mais de 2 anos acamado, mas ele brincava sempre.
Ele falou, você vai prometer para o pai que você não vai pedir alta?
Você só vai sair daí quando o médico disser, está tudo bem, pode ir embora.
E aí eu respirei fundo e falei, mas você vai me prometer que você não morre enquanto eu estou aqui?
Foi a conversa mais difícil.
A partir daquele dia, meu pai me ligou de manhã, de tarde, de noite.
E aí dia 26 de maio eu tive uma intercorrência que eu quase morri na quimioterapia.
E quando eu cheguei em casa, meu pai estava em coma e por pouco não morremos, eu e ele, e um não IA saber do outro.
E aí, dia primeiro de junho de 2018, meu pai foi embora.
Eu conversei com ele uma semana antes e ele estava, sabe, num AI, AI, AI, AI.
E eu perguntei Pra Ele, o que que é AI, AI ele, estou dançando.
E eu falei, tá?
E AI, AI, é o que?
2 para lá, 2 para cá, você está dançando com quem?
Estou treinando com o Sol para dançar.
E aí quando eu anunciei a morte dele, eu anunciei que ele tinha ido tirar o Sol para dançar e foi a Coisa Mais Linda, porque ele tinha medo de morrer num dia frio, com chuva.
Ele morreu num dia ensorado incrível a minha responsabilidade, sabe?
De seguir de pé, de permanecer.
Até que a morte me encontre viva, aumentou muito e é isso que me mantém.
Quando a morte chegar, vai me encontrar vivendo, cuidar dos paliativos.
É vida e morte, gente.
Morte é coroação do que você veio fazer aqui.
Sua missão está completa, você só vai voltar para casa.
Está tudo bem.
A gente não precisa deitar para morrer, não é sentença de morte, é isso que as pessoas precisam saber.
Está tudo assim, tudo bonitinho.
Eu tenho um caderninho de diretivas, tudo escritinho bonitinho.
Eu quero 2 horas de velório com meu cachorro fechado com café para quem for abraçar minhas filhas, quero que abra meu cachorro e mostre para o cainanzinho que a avó dele não virou estrelinha, sabe?
Ali tem carta para as minhas filhas, tem carta para o meu neto, tem tudo que precisam saber.
Meu tumulto está em ordem, meu cachorro está em ordem, está tudo em ordem.
Como a doutora Ana Cláudia disse, falar de morte não atrai morte.
Você não vai morrer antes da hora porque você conversa sobre morte, sabe?
Se você tem qualquer coisa que pode ameaçar sua vida, você tem direito a cuidados paliativos.
E eu estou aqui em tratamento paliativo desde 2017, recebendo cuidados paliativos desde 2020.
E não pretendo ir embora daqui tão cedo.
Cuidados positivos me garantem a qualidade que eu preciso pra estar de pé e pra fazer o que eu quero, o que eu gosto, o que eu amo, o que me cura todos os dias.